março 09, 2022

É preciso atravessar a maré pela manhã.

março 05, 2022

Não estou mais aqui, mas você ainda escuta a minha voz. Ao passo que te deixo, a minha voz permanece. Demora-se. Não vou dizer sobre o desejo de voltar. Nem mesmo que vejo seu corpo feito miragem. Ao longe. Aonde nunca chega. Seus cabelos despenteados. O vento. Nenhuma onda quando normalmente... Caminhei o mais longe possível e o que me atrai é o que fica. E eu aqui desejando que os meus passos não sejam o próprio deserto.

Sabe, o cometa é inexplicável. Ele surge para desaparecer. Começa fraco, cresce rapidamente para depois decrescer. Li em algum lugar que ele é praticamente uma bola de gelo sujo e é o menor corpo do sistema solar. Tudo nele parece ser imprevisível. Sua irregularidade orbital, às vezes, o traz para muito perto do sol. Quando isso acontece, o gelo começa a vaporizar, liberando gases e partículas de poeira em uma nuvem na atmosfera. Assim, da terra, ele se torna visível. No entanto, muitos cometas são fracos demais para serem vistos a olho nu. Eles se quebram em pedaços. Alguns chegam a um final espetacular, caindo no sol ou colidindo com algum planeta. Parece que algumas das muitas crateras da lua podem ter sido causadas pelos cometas. Pra mim, os cometas são pequenos instantes. Mas o que isso significa?

A vida é isso: o vento. Brisa no rosto, corrente de ar, ventania, sopro, respiração. O amor é o voar. Eu nunca amei você. A mim, eu me deixo. De peito aberto, eu me deixo. Eu vento. Sem rumo, pra longe, por aí. A desaparecer. Finalmente. Livre. Sou espalhamento de mim no centro do vendaval. Estou a girar. Sou à roda. Rodopio. Meu corpo dança. Distraidamente. Despreocupadamente. Deixando ir. É hora de deixar. É hora de deixar. Qual foi a última vez que sentimos juntos o vento no rosto?

Não tínhamos medo de nada, lembra? Aliás, gostávamos da adrenalina que aquilo tudo dava na gente. Depois, desenhávamos entusiasmados aquelas sensações. Hoje, o seu caderno não tem palavras nem imagens, por quê? A cada nova seção, mais números e designações, sempre a conferir o destino calculado de antemão. Por vezes, vi o seu reflexo no meu espelho, via você em mim, eu visitando as suas convicções e esbarrando nos meus objetos. Decidi parar. Deixei a onda quebrar na minha cabeça, só pelo quebrar.

 Olha, não sei mais. Aqui, neste minúsculo apartamento, meio afundado e meio boiando sobre as ondas, às vezes, passo a noite olhando as estrelas, tentando ligar os pontos entre elas, como naquele velho jogo, embora tudo isso nunca dure muito tempo e, talvez, esteja mais na imaginação.

Não escreverei nenhum eu por aqui. Não escreverei mais. Qualquer definição ou marca de pertença será em vão. Não a tenho. Não as tenho. Sou como o mar sem direção, seguindo e atravessando com todo o seu ser, sem se ancorar em alguma coisa ou lugar. Sobre ele, pela manhã, ora o sol ou as nuvens, ora apenas a chuva. Pela noite, a lua, e por que não o temporal? Acidentalmente, o céu é você. Quanto mais claro, mais azul. Quanto mais escuro, mais estrelas. E tantas outras coisas. Sou seu e não o sou. Em uma distância impossível a todo o momento. Perto, embora tão longe. Nem com você nem sem você.